Centrifugação Infinita
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
DESSAGRO
matreiro se escondia Pereira.
Andava pelos cantos do restaurante,
bebendo cerveja e lambendo a cigarreira,
Fugia das limpezas, dos fiscais,
e a pagar as contas, achava um piadão.
Eu que nunca achei as suas ideias geniais,
acho que ele é um cabrão.
Foge, foge ó Pereira!
um dia há de te sair a sorte grande!
ás de acabar com o cu na cadeia!
Évora,
17 de setembro 2025
Alexandre Gomes
Á de..
terça-feira, 16 de setembro de 2025
Giuseppe Gioachino Belli - Alexandre O'Neill
O falecido Ricardo Averini, director, durante alguns anos, do Instituto Italiano em Portugal, bem insistiu comigo quando eu lhe comuniquei o meu interesse por Belli, para que, de parceria, traduzíssemos e publicássemos uns 50 sonetos dos 2279 que Giuseppe Gioachino Belli produziu quase clandestinamente...
Confesou-me que o poeta era um dos seus autores de cabeceira. Eu, que pouco antes descobrira esse extraordinário escritor, entusiasmei-me com o projecto, mas, como de costume, fiquei-me pelo entusiasmo. Vida cheia de afazeres, dificuldades que se anunciavam bastante grandes na tradução (saiba-se que Belli escreveu os seus sonetos em dialecto em dialecto romanesco, o linguajar do povo de Roma) levaram-me a ir adiando o trabalho. Cada vez que me encontrava, Averini perguntava-me «Então o nosso Belli?» Eu, encabulado, respondia-lhe: «Dentro em breve...» E, assim, «deixei» Averini morrer sem, ao menos, entabular com ele uma conversa mais a sério sobre esse nosso vago propósito.
Mas a inquietação ficou.
Comprei a edição integral de I Sonneti, uma biografia de Giuseppe Gioachino Belli e um «Vocabolario Romanesco Belliano & Italiano Romanesco», este graças á ajuda bibliófila e monetária do João Nuno Alçada, então residente em Roma.
E foi um pasmo que ainda hoje dura!
Não é que eu tenha lido o Belli todo e muitas vezes. Porém, dezenas de sonetos (marcados de origem, os mais significativos, com um asterisco, na edição em 4 volumes da Feltrinelli) deram-me a ideia da grandeza do poeta. Claro que é um autor que me vai a pêlo. A sua vida decorreu entre 1791 e 1864, «entre os anos da decadência e o ocaso do Estado Pontifício, entre a Revolução Francesa e o nascimento do nosso Estado unitário», como diz, no prefácio da edição feltrinelliana, Carlo Muscetta.
Belli, na sua «biografia exterior», era um respeitoso, um conformista. Começou por publicar in lingua, isto é, em italiano, La Campagna (1805), «centenas de lugares-comuns da literatura idílica», continuou com as Lamentazioni (1807), reincidiu com La Morte della Morte (1810) e com o Convito di Baldassare (1812), para se dedicar, pouco depois, com alguma vivacidade, a traduções e adaptações teatrais. A sua existência, plena de vicissitudes que não vou aqui esmiuçar, encontra equilibrio e conforto quando Belli se casa com uma viúva, Maria Conti, treze anos mais velha que ele.
De respeitoso, de conformista (o dia-a-dia pode pregar cada partida a um sujeito!), passa Belli, que começa a frequentar, quase sem dar por isso, as ideias e a literatura progressistas da Europa de então, a um engagement que o havia de levar muito longe, nada menos que aos sonetos.
E os sonetos são o mais explosivo dos artefactos poéticos que podem conceber-se naquela época. Tudo é passado ao crivo nessa gigantesca soma poética. A corrupção do mundo papalício, a prostituição (a mundana e a pobretana), a avareza, a cupidez, a vaidade dos cortesãos, o quotidiano da plebe romana, as praticas eróticas de gente acima de qualquer suspeita, etc., etc. Belli acende o rastilho e não fica pedra sobre pedra.
A introdução aos sonetos, do punho do próprio Belli, começa desta nobre maneira:
«Eu deliberei deixar um monumento daquilo que hoje é a plebe de Roma. Nela existe, seguramente, um tipo de originalidade: e a sua língua, os seus conceitos, a índole, o costume, os usos, as práticas, as luzes, a crença, os preconceitos, as superstições, tudo o que, em suma, lhe diz respeito, mantém um cunho que, talvez por acaso, se distingue do perfil característico de qualquer outro povo. Nem Roma é tão grande que a sua plebe não faça parte de um grande todo, quer dizer, de uma cidade de sempre solene memória. Além disso, parece-me que a minha ideia não vai desacompanhada de novidade. Este designio tão cheio de cor, aconteça o que acontecer ao assunto, não encontra trabalho precedente que se lhe possa comparar.»
Em 1982, o excelente fotógrafo Paulo Nozolino mandou imprimir um álbum com uma sequência das suas fotografias, álbum a que pôs o título de Para sempre. Sendo jovem e nada pessimista, que se lembrou Paulo de fazer? Pediu-me que eu lhe traduzi-se para o livrinho um dos mais amargos sonetos do Belli. Aqui fica a tradução, necessariamente imperfeita, que eu consegui levar a cabo, mesmo sem o concurso (precioso) do meu caro Ricardo Averini.
A VIDA DO HOMEM
Nove meses no fedor, depois nas faixas
por entre crostas, beijocas, lagrimonas
Depois à trela, na andadeira, em camisinha,
pára-turras na testa, cueiros por calções.
Depois começa o tormento da escola,
o á-bê-cê, a vergasta e as frieiras,
a rubéola, a caca na cagadeira
e um pouco de escarlatina e de bexigas.
Depois o ofício, o jejum, a trabalheira,
a pensão a pagar, as prisões, o governo,
o hospital, as dívidas, a crica,
o sol no verão, a neve no inverno...
E por último -- e que Deus nos abençoe! --
vem a morte, e acaba no inferno.
Roma, 18-01-1833
Giuseppe Gioachino Belli
Repreensão - Mário Henrique-Leiria
ao levar
o tiro na nuca para acabar
chateou-se
e viu-se obrigado
a explicar
ao major
que comandava o pelotão
que o tinha fuzilado
por favor
preste atenção
e não me obrigue a repetir
a repreensão
na próxima vez
que mandar matar
dê tempo ao morto
pra gritar
convicto
um último viva a revolução
sábado, 13 de setembro de 2025
OLHA O PASSAROCO! - Alexandre O'Neill
Nunca o aparato crítico-exegético se viu tão apetrechado e com gente tão dotada como hoje. Diríamos, até, que, nos mais felizes casos, a exegese é, só por si, uma verdadeira obra de arte. Talvez por isso eu venha, de há anos a esta parte, «rodeando» Joyce nas admiráveis exegeses que lhe têm sido dedicadas, sem coragem para meter o dente a fundo na obra propriamente dita. Ao mesmo tempo, detém-nos um certo medo de, não conhecendo a coisa criada, mas só a exegese dela, acabarmos, um dia, travando conhecimento com a criação original, por rejeitar esta ou rechaçar a critica recriação que dela conhecíamos, ou até as duas.
Tudo isto está a anunciar, como é evidente, que a criação e a crítica exegética vão, num futuro próximo, confundir-se para darem lugar a uma nova arte --- que trará consigo a sua própria exegese, isto é, o fazer e o reflectir sobre o efeito contidos no acto mesmo de criar. Disso nos dá uma amostra, já hoje, muita da melhor poesia concreta. Esperemos que, então sendo criador e exegeta uma só e a mesma pessoa, não surjam novos exegetas na periferia.
Volto aos meus bons amigos fotógrafos para os compreender nas suas preocupações e os prevenir nas suas ambições. Descobrir a fórmula que nos permita -- a nós criadores -- repetir os milagres é uma tentação bem humana. Mas não esqueçamos, clique!, bons amigos, que a arte é desregra permanente. Uma fórmula na mão só nos garante que seremos capazes de nos repetir ad infinitum para os basbaques, a começar pelo basbaque que há em nós. Uma fórmula não abre caminhos; fecha caminhos. Deixem que cada um dos vossos momentos felizes não se repita mais.
À parte isso, filosofem como quiserem e descubram, a cada milagre, que não sabem nada, e que o melhor ainda é repartir sempre do zero.
Cautela, amigos, com o olho mobilado pelo lugar comum.
terça-feira, 9 de setembro de 2025
Pois - Alexandre O'Neill
nunca perpenetrou nas intenções de elisa
que eram as melhores. Assim tudo ficou
em balbúrdias de língua cabriolas de mão.
Assim tudo ficou até que não.
Azevedo e silva ao volante do mini
vê a elisa a ultrapassá-lo alguns anos depois
e pensa pensa com os seus travões
Ah cabra eram tão puras as minhas intenções.
E a elisa passa rindo dentadura aos clarões.
Pois Pois - Alexandre O'Neill
Rabo de Cavalo cotovelo-groselha
defronta Patilhas Grisalhas cerveja-cotovelo.
Falam de dominguins versus ordoñez
de hemingways na brecha da querela
do assasino mano a mano.
Falam a ouro e a sangue no ruedo de mármore.
Sob o tampo da mesa
três joelhos conversam roçagantes:
o dele (sarja) entre os dela (nylon).
Rabo de Cavalo está quadrada.
Patilhas Grisalhas então entra a matar.
O sobre e o sob logo se confundem.
Que prometia (olé) o cartaz dele?