sábado, 13 de setembro de 2025

OLHA O PASSAROCO! - Alexandre O'Neill

    Tenho a impressão que os fotógrafos que conheço pessoalmente (os «de arte», bem entendido) andam todos à procura de uma razão, melhor, de uma «filosofia» que lhes explique o porquê de fotografarem assim ou assado e lhes forneça um guia para a acção (a de fotografar, claro). Vive-mos em tempo de exegetas. Explicar a criação (o criado) tornou-se tão importante (ou mais) do que a própria criação.
Nunca o aparato crítico-exegético se viu tão apetrechado e com gente tão dotada como hoje. Diríamos, até, que, nos mais felizes casos, a exegese é, só por si, uma verdadeira obra de arte. Talvez por isso eu venha, de há anos a esta parte, «rodeando» Joyce nas admiráveis exegeses que lhe têm sido dedicadas, sem coragem para meter o dente a fundo na obra propriamente dita. Ao mesmo tempo, detém-nos um certo medo de, não conhecendo a coisa criada, mas só a exegese dela, acabarmos, um dia, travando conhecimento com a criação original, por rejeitar esta ou rechaçar a critica recriação que dela conhecíamos, ou até as duas.
    Tudo isto está a anunciar, como é evidente, que a criação e a crítica exegética vão, num futuro próximo, confundir-se para darem lugar a uma nova arte --- que trará consigo a sua própria exegese, isto é, o fazer e o reflectir sobre o efeito contidos no acto mesmo de criar. Disso nos dá uma amostra, já hoje, muita da melhor poesia concreta. Esperemos que, então sendo criador e exegeta uma só e a mesma pessoa, não surjam novos exegetas na periferia.
    Volto aos meus bons amigos fotógrafos para os compreender nas suas preocupações e os prevenir nas suas ambições. Descobrir a fórmula que nos permita -- a nós criadores -- repetir os milagres é uma tentação bem humana. Mas não esqueçamos, clique!, bons amigos, que a arte é desregra permanente. Uma fórmula na mão só nos garante que seremos capazes de nos repetir ad infinitum para os basbaques, a começar pelo basbaque que há em nós. Uma fórmula não abre caminhos; fecha caminhos. Deixem que cada um dos vossos momentos felizes não se repita mais.
    À parte isso, filosofem como quiserem e descubram, a cada milagre, que não sabem nada, e que o melhor ainda é repartir sempre do zero.
    Cautela, amigos, com o olho mobilado pelo lugar comum.